A nossa primeira reportagem “Inova+” é dedicada à Iniciativa Médica 3M (IM3M), grupo de médicos que se uniu pela defesa da formação em Geriatria, Dor e Cuidados Paliativos (a sigla “3M” refere-se a Medicina Geriátrica, Medicina da Dor e Medicina Paliativa), há mais de 2 anos.
Este ano, a IM3M avança para as 3ªs edições dos cursos que organiza anualmente, apresentando (ainda) mais novidades. O sucesso destas formações tem sido tremendo, pelo que entrevistámos dois elementos do grupo, o Dr. Hugo Ribeiro e o Dr. João Rocha Neves, para nos explicarem melhor o que é a IM3M e o que torna estas formações tão interessantes. Entrevistámos os elementos separadamente, e pudemos desta forma constatar a grande sintonia em que se encontram na maioria dos temas abordados.
Health Improvements (HI) – Como surgiu a ideia da formação da IM3M? O que tem este grupo de tão especial?
Hugo Ribeiro (HR) – A IM3M surge da necessidade encontrada de mais e melhor formação pós graduada nas áreas da medicina geriátrica, medicina da dor e medicina paliativa. O grande impulso para a criação da IM3M aconteceu depois de ter terminado o mestrado em Geriatria (na Faculdade de Medicina de Coimbra), durante o qual aprofundei os meus estudos na área da dor. Foi uma inspiração, mas tudo o que já conseguimos foi devido à preserverança e à dedicação desinteressada deste grupo, que actualmente tem 10 colegas, de 7 especialidades diferentes, unidos pela vontade de defender a formação em áreas tão importantes e, ao mesmo tempo, negligenciadas na nossa formação pré e pós graduada. O grupo quer que a formação nestas áreas seja uma obrigação curricular dos cursos de medicina, acima de tudo. E, enquanto não o for, decidiu possibilitar formação básica nestas disciplinas ao maior número de colegas possível, daí assumir o esforço de organização dos 4 cursos que organizamos anualmente.
Hugo Ribeiro – Médico de Família na USF Barão do Corvo (Vila Nova de Gaia) e Assistente convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
João Rocha Neves (JRN) – Acrescentaria ainda que estamos num grupo muito disruptivo. Somos todos muito jovens e estamos a assumir posições que apenas são habituais 10 ou 15 anos adiante na carreira. O gap geracional é tremendo para a oferta formativa que nos rodeia, e será provavelmente essa a nossa maior qualidade. A nossa proximidade e identificação de valores com os novos médicos tornam os nossos cursos muito exclusivos no panorama atual.
“estamos a assumir posições que apenas são habituais 10 ou 15 anos adiante na carreira”
João Rocha Neves – Cirurgião Vascular no Centro Hospitalar de S. João e Assistente convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
HI – Qual é a sua função na IM3M?
(JRN) Acima de tudo sou formador. É isso que me motiva a estar presente. Naturalmente, as tarefas de todos nós não se esgotam aí, e todos colaboramos em tarefas administrativas e de relações externas da IM3M de forma quase diária. Programas, convidados, parcerias… De forma consistente, e como ponte basilar posso revelar que reunimos de forma regular, reavaliamos de forma rígida as nossas prestações particulares e gerais e tentamos encontrar forma de apurar a comunicação, transmissão e discussão de ideias, que é aquilo que nos identifica.
(HR) Sou essencialmente o coordenador científico. Organizo o programa, depois de debatido entre todos, e convido os formadores que consideramos mais adequados para cumprir com a nossa linha de formação: conteúdo prático, baseado em casos clínicos, através dos quais, pela discussão que suscitam, se promove o conhecimento teórico. Para além disso, dou apoio à coordenação de apoios e patrocínios. Mas, como o JRNdisse, tento ajudar em toda a actividade da IM3M.
HI – O Dr. Hugo Ribeiro é médico de família. Como é que a sua especialidade vê as áreas de atuação da IM3M?
(HR) A Medicina Geral e Familiar é uma especialidade que tem uma preparação ímpar na abordagem holística do doente e da sua família e comunidade, vivendo da continuidade de cuidados.
Abordar a dor, o doente idoso, ou prestar cuidados paliativos, exige conhecimentos da pessoa individual, e conhecimentos de várias áreas da medicina. Na minha opinião, é a especialidade em melhor posição para tratar grande parte destes doentes, até pela proximidade e facilidade de acesso que tem com a grande maioria deles.
Por exemplo, para o tratamento da dor crónica, não chega conhecer os fármacos analgésicos e a escada analgésica da OMS. É preciso muito mais do que isso. É possível ajustar as estratégias terapêuticas à pessoa, retirando o maior benefício possível e evitando efeitos laterais, alguns dos quais previsíveis.
Sendo ainda mais específico, os colegas que vêm aos nossos cursos adquirem treino intensivo na utilização de opióides, reconhecendo as diferenças farmacocinéticas entre os que temos disponíveis em Portugal, podendo dessa forma utilizar o fármaco mais adequado ao doente que têm à frente. Falo dos opióides, como poderia falar dos AINEs, das benzodiazepinas, dos antipsicóticos, dos antidepressivos, etc.
“para o tratamento da dor crónica, não chega conhecer os fármacos analgésicos e a escada analgésica da OMS. É preciso muito mais do que isso”
Hugo Ribeiro
Curso da IM3M de 2019
HI – O Dr. João Rocha Neves é cirurgião vascular. Como é que a sua especialidade vê as áreas de atuação da IM3M?
(JRN) – Centramos fundamentalmente a oferta formativa nas experiências de vida profissionais vivenciadas no âmbito das nossas especialidades. Felicito a equipa, pela visão relevante, atual e motivadora de debate e aproximação entre os vários profissionais envolvidos no tratamento de doentes tão complexos. Nos nossos cursos, sobretudo a dor e geriatria, torna-se incontornável a abordagem às doenças cardiovasculares avançadas. O incremento da diabetes e dos fatores de risco cardiovascular tornaram-nas uma constante do quotidiano de qualquer profissional de saúde.
Existem diversas áreas da Cirurgia que atualmente, apesar de cada vez menos, ainda constituem um Adamastor para a medicina geral e familiar e das outras especialidades referenciadoras – o rastreio do aneurisma da aorta que ainda não se encontra sistematizado apesar do seu custo eficácia bem-descrito; o seguimento e tratamento da doença venosa, sobretudo dAs síndromes pós-trombóticos; e por fim, se calhar o pior Átila de todos – o pé diabético, cuja referenciação precoce à cirurgia vascular é errática, oscilando vezes de mais entre o tardio e o defensivo.
HI – Sendo também docentes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, particularmente da disciplina de Anatomia, como é que os alunos de Medicina olham hoje em dia para a Geriatria, para a Dor e para os Cuidados Paliativos?
JRN – Realmente o ensino médico pré-graduado necessita de reforço nestes pontos. Sumariamente, os alunos de medicina ainda não apresentam uma percepção ou uma sensibilidade apurada para estas áreas. A grande maioria deste conhecimento é transmitido de forma fragmentada, quer em casos clínicos isolados ou em discussões de corredor e nunca de forma consistente. Raramente são confrontados com este tipo de situações, teoricamente muito holísticas, em que a sistematização da abordagem, mesmo para o médico experiente, não é fácil de conseguir. A IM3M veio ocupar o vazio nesta área, no entanto, achamos que o ensino pré-graduado é basilar e que poderá facilitar o caminho para atingir níveis de capacitação dos profissionais ainda maiores, nesta área que ainda se encontra deficitária.
HR – Desde os meus tempos como aluno de Medicina que penso que o ensino médico em Portugal não tem bem definido o que pretende obter no final da nossa formação pré graduada: queremos formar professores? Queremos formar investigadores? Ou queremos formar clínicos gerais?
Na minha opinião, o objectivo deveria ser a formação de clínicos gerais. E, repare, isto não quer dizer que eu seja favorável à existência de médicos indiferenciados. Bem pelo contrário. Sou absolutamente defensor da formação especializada, que garanta uma qualidade de cuidados própria de países desenvolvidos. Aliás, acho que todos temos que saber de dor, de geriatria e de cuidados paliativos, mas alguns também terão que se dedicar apenas a estas áreas.
Mas voltando à questão, o fio condutor do conhecimento de um aluno de medicina deveria apontar para o que os doentes vão precisar de nós como médicos. Há disciplinas básicas, como a Anatomia, em que este conhecimento deve ser altamente estimulado, com uma grande exigência, mas há outras em que claramente exigimos demasiado. E, no fim de contas, há coisas importantíssimas que se perdem lá no meio.
Para responder directamente à questão: acho que os alunos de Medicina não pensam muito nestas disciplinas.
Cursos da IM3M de 2019
HI – Os programas dos cursos da IM3M têm sido reconhecidos pela comunidade médica como sendo bastante atractivos, quer seja pela presença de formadores com reconhecido mérito académico e profissional, quer seja pela orientação prática das sessões. Quantos formadores terão este ano nos vossos cursos? E quantos médicos em formação?
HR – Teremos mais de 40 médicos formadores e cerca de 160 colegas a ter formação, durante as cerca de 160 horas dos 4 cursos. Contamos que este seja mais um ano de enorme sucesso, manifestado pelo crescente interesse nestas formações específicas e pela grande procura de inscrições a que temos assistido.
Já fomos responsáveis por mais de 300 horas de formação nestas áreas a sensivelmente 330 colegas nos últimos 2 anos.
HI – A IM3M tem uma colaboração com a MeritPosition, startup tecnológica que desenvolveu o GeriCarePro, que é uma aplicação para as instituições geriátricas e paliativas premiada pela União Europeia. Como é que esta parceria ajuda as iniciativas da IM3M? Vê benefícios desta aplicação na sua área de especialização? Quais?
JRN – A MeritPosition trabalha no desenvolvimento de tecnologias de Saúde. No ADN da empresa, uma startup do Instituto Pedro Nunes, foi incluída uma preocupação com formação médica avançada. São tempos de mudança que vivemos no ambiente empresarial, a integração não lucrativa da MeritPosition na formação mostra isso mesmo. Nunca houve qualquer tipo de influência na nossa atividade, daí que os nossos conteúdos sejam muito idóneos, ou até mesmo muito cândidos observando o panorama habitual.
Claramente, o software é intuitivo, e com uma grande capacidade plástica para adequação às necessidades específicas de cada doente. Na minha área relevo a secção dedicada ao risco de desenvolvimento de ferida, assim como os alertas programados de monitorização e seguimento. É uma mais valia relevante para estes doentes, sobretudo com o incremento na prevalência do doente acamado e do pé diabético, entendendo o contexto e as dificuldades que estes doentes representam.
HR – O GeriCarePro é uma aplicação incomparável com qualquer outra existente na área da saúde. Alguns dos elementos da IM3M colaboraram na sua concepção. Decidimos desta forma estreitar laços e ajudar a passar a mensagem da qualidade inequívoca desta aplicação.
Na minha opinião, o GeriCarePro serviria para qualquer enfermaria ou até como apoio a consulta, e não só para instituições geriátricas e paliativas. E porquê? Porque ajuda-nos a caracterizar o doente de forma pormenorizada, permitindo-nos optar por estratégias terapêuticas mais adequadas ao indivíduo, para além de ter um sistema de alertas de medicação potencialmente inadequada, o que representa um avanço tecnológico fantástico. Isto é único no mundo. Existem outras particularidades e pormenores muito avançados para a época que vivemos, mas creio que esta é, sem dúvida, a maior qualidade deste programa.
HI – Sabemos que estão a equacionar organizar um congresso sobre Geriatria em 2021. Face ao elevado número de congressos a nível nacional, o que terão de particular estas vossas jornadas? Quais as principais dificuldades na organização deste evento?
HR – Queremos uma organização dessa magnitude para falar de inovação.
Nos cursos, queremos fortalecer conhecimentos e aptidões, essencialmente vocacionados para médicos. No congresso, pretendemos reflectir sobre o conhecimento actual, sobre o que podemos e devemos fazer (sobretudo no âmbito da investigação) e ajudar a divulgar o que já está a ser feito, para que a ciência avance, em todas as profissões de saúde. Portanto, será um congresso de geriatria para todos.
A maior dificuldade será a obtenção de apoios que nos permitam edificar este projecto. Achamos que a ideia tem pernas para andar, e que terá certamente uma boa resposta dos profissionais de saúde. Mas ainda temos um longo caminho para percorrer.
“Já fomos responsáveis por mais de 300 horas de formação nestas áreas a sensivelmente 330 colegas nos últimos 2 anos.”
Hugo Ribeiro
HI – O Dr. João Rocha Neves é o principal responsável por uma das iniciativas do grupo, nomeadamente pelas Tertúlias “Saúde e Sociedade”, eventos para os quais convidam políticos e cientistas, permitindo uma discussão aberta sobre o presente e o futuro da Saúde. Como surgiu esta ideia? Quantas edições já teve? Quem pode assistir e participar? Já há datas para as próximas tertúlias?
JRN – As tertúlias têm uma influencia muito coimbrã, sobretudo por parte de alguns membros da IM3M que tiveram aí a sua formação. Identificamos uma falha na nossa formação no que a política diz respeito. São muitas as vozes de indignação, mas que não se fazem sentir no sítio relevante, existindo mesmo uma inépcia em influenciar a vontade política.
Ao cruzar opiniões, trocarmos de ideias e discutirmos os problemas da saúde em Portugal, esperamos que os nosso participantes, palestrantes e convidados, saiam enriquecidos com algo que não podem obter numa televisão ou podcast.
As tertúlias têm lugar no jantar encerramento do curso. Dou como exemplo alguns dos nossos últimos convidados – Professor Manuel Veríssimo entre outras, Coordenador do Mestrado em Geriatria da FMUC, e Doutor Agostinho Santos – escritor, pintor e jornalista do Jornal de Notícias – relevando, sem querendo descurar os nossos restantes convidados; discutiram acesamente a sua perspetiva e a história da saúde geriátrica em Portugal, assim como os seus passos futuros. Foi sem dúvida um grande momento do curso
“o ensino médico pré-graduado necessita de reforço nestes pontos”
João Rocha Neves
HI – Quais são as perspetivas de futuro que têm para a IM3M?
HR – O futuro da IM3M prende-se com o futuro das 3 áreas que são o seu foco principal. O nosso objectivo principal é que já não sejamos necessários. Ou seja, quando houver formação médica nos cursos de medicina e nos internatos, em geriatria, em dor e em cuidados paliativos, a nossa existência tornar-se-á obsoleta. Seria um óptimo sinal.
Estou plenamente convicto que a medicina é ciência, mas também é arte. No fim de contas, o que eu quero é ajudar a estimular estas duas facetas da profissão que abracei. Enquanto entendermos que somos necessários, e enquanto tivermos forças para tal, continuaremos com este esforço.
JRN – A sensação de dever cumprido e o reconhecimento por parte de todos aqueles que, num trabalho colaborativo, nos acompanharam e ajudaram ao longo deste percurso é sem dúvida, satisfatório. Temos um grupo muito unido e a vontade de crescer é muita.
À parte do congresso em 2021, projeto que irá absorver a nossa atenção e energia nos próximos meses, penso que o nosso próximo passo envolve a responsabilização e capacitação política dos nossos colegas. Se calhar o principal ponto fraco dos profissionais de saúde no Século XX. Apesar de tudo, e por muito que nos custe, sabemos que não é apenas da partilha de conhecimento que se obtém resultados de excelência, a capacidade reivindicativa e a interpretação da vontade política são ferramentas cabais. As nossas tertúlias são apenas o início, mas contamos dar a oportunidade aos participantes de interagir com os maiores “opinion makers” da nossa sociedade, quer em debates acesos, quer em ambiente informal.
Terminada a reportagem, deixamos os cartazes já disponibilizados dos cursos de Geriatria (volume 1 – Abril; volume 2 – Maio). A Health Improvements® orgulha-se de participar nestes eventos, assegurando o secretariado dos cursos da IM3M. Para mais informações, por favor contacte: geral@healthimprovements.pt